Como definem o vosso trabalho?
J - Temos muitas coisas em comum, é um facto, e isso é muito importante na essência da Oficina. Se, por um lado, nos cansamos depressa das coisas, por outro, temos muita vontade de experimentar e fazer diferente. Acaba por ser cíclico. Apesar de ser em meios e caminhos diferentes, o que nós expressamos acaba por ser sempre recorrente. Os materiais são sempre caminhos para contarmos uma história.
G - Se quiserem colocar um rótulo, uma etiqueta e dizerem "Os meninos da Oficina Marques produzem"... Histórias. Que podem ser quadros, ilustrações, colagens, relicários, postais, cerâmica. Quando chegamos aqui nunca temos a mesma coisa para fazer, não é um trabalho repetitivo. Os processos são repetitivos e demorados, mas temos sempre uma história diferente para contar.
Isso dá-vos muita liberdade, não estão presos só a uma coisa.
J - Há uma linguagem e um universo que partilhamos, e nós vamos navegando nos vários objectos para enriquecer cada vez mais as histórias.
E esse universo é a vossa marca.
G - É uma impressão digital, uma marca, uma personalidade.
J - Muitas vezes descobrimos quem somos pelos olhos dos outros. Têm-nos dito muitas vezes que o que fazemos é uma visão do Portugal moderno. Deixou-nos muito confusos, ao princípio, mas também nos ajudou a encontrar-nos. Efectivamente, há uma ideia de portugalidade. O Gezo é brasileiro mas vive em Portugal...
G - Há 253 anos...
J - ...ele é meio-meio, eu nasci em Portugal e há um universo aqui que efectivamente partilhamos. De repente essa visão exterior fez-nos pensar. Se calhar o nosso trabalho também é sobre este país, as nossas raízes, aquilo que absorvemos e convertemos na nossa visão. Falamos muito sobre o que está à nossa volta, como o mar (quando trabalhamos os sereios — já tivemos muita gente a censurar porque essa palavra não existe), com o Alentejo, a cerâmica, e sempre tudo com um toque espiritual e místico. Trabalhamos esse tema com respeito, porque Portugal também é isso. Pegamos nessa diversidade que o país tem. Não temos um país assim tão grande, mas, se o correres de Norte a Sul, vais encontrar universos diferentes. Se calhar absorvemos isso tudo e criamos aqui uma bolha que tenta espontaneamente reflectir o que está à nossa volta. Os objectos e a arte têm o poder de criar identidade e, se calhar, precisamos de pensar um bocadinho nisso: quem somos nós.
Como é um dia na Oficina Marques?
J - Há dias em que estamos de porta aberta - de quarta a Sábado. Noutros estamos de porta fechada porque há processos que não conseguimos interromper. A loja abre às 10h30 e chegamos um bocadinho mais cedo. Para nós é um ritual e uma meditação.
G - Eu acendo as minhas velinhas e agradeço o dia e por poder estar aqui. Faço isso logo de manhã. Depois regamos as plantas, pomos um bom perfume no espaço com uma vela. É assim que a Oficina acorda.
J - Depois de deixar o ar entrar, temos as coisas mais ou menos planeadas. Num dia em que entrem pessoas, mostramos a oficina, falamos um bocadinho, voltamos a trabalhar. Gosto desses dias com gente. Apesar de estarem mais ou menos planeados, os dias são sempre incertos.
O que mudou com a pandemia?
J - Há muita gente que vem, mas que avisa antes. Antes, entrava muita gente que estava a passar na rua e não conhecia o projecto. Nós fazíamos uma apresentação, mas gostamos sempre de deixar as pessoas à vontade, porque temos muita coisa e é preciso tempo para absorver.
G - A pandemia mudou o ritmo de "um dia normal". Os dias não estão normais, essa coisa do novo normal não existe. O período em que tivemos de ficar fechados, foi um período super produtivo.
J - Durante o confinamento viemos trabalhar todos os dias mas sabíamos que era um compromisso diferente. Sabíamos que, naqueles dias, não ia entrar ninguém. No nosso estado de espírito era só oficina. Quando estamos de porta aberta já sabemos que além da oficina há sempre a loja e a galeria. Foi um momento muito introspectivo e de produção.
G - Agarrámo-nos à força de viajar através das peças.
J - Só nos apercebemos da realidade quando saímos daqui. Isto é uma bolha. Não sabemos o futuro...mas nós nunca sabemos o futuro. Quem trabalha com arte sabe que essa incerteza é a própria vida. Mas sinto que as pessoas despertaram para apoiar a comunidade e que somos um só. Tivemos mais pessoas atentas ao que nós fazemos — e a outros projectos que conhecemos.
G - As pessoas ligaram-se a peças com significado, com história. Fizemos uma pequena loja online associada ao site, com pequenos objectos e fáceis de enviar e transportar.
Como é que está a correr essa aventura no digital?
J - Temos mais pessoas a ver, mais interessados.
G - Temos feito uma campanha, temos divulgado as peças nas redes sociais, o que tem trazido retorno. As pessoas não estão passeando na rua mas estão com os seus telemóveis. A nossa comunicação tem sido nesse sentido, o de presentear com o local, o especial, com o manual, o artesanal.
Como integram o vosso trabalho artesanal na lógica consumista do mundo actual?
J - O mundo precisa dessa análise. Tudo é tão fácil, o consumo é tão imediato que isso não é bom para ninguém, não é sequer sustentável. Nós próprios pensamos sobre isso — porque todos fazemos parte dessa máquina — , o que podemos travar e tentar fazer de outra maneira. O nosso contributo é esse: fazemos peças, muitas delas com coisas que já morreram e às quais estamos a dar uma nova vida. Reutilizar, pegar em coisas que já existem, consumir de forma diferente, valorizar as peças de forma diferente. Às vezes, temos esse discurso e depois, na prática, fazemos mais do mesmo. Temos de ir acalmando e percebendo qual é essa forma de consumir menos. Há um foco grande no minimalismo, mas não é essa a nossa visão do mundo. Temos de consumir menos e de perceber como é feito, o que está por trás.
G - Em vez de encher e de atulhar de coisas que não fazem sentido. Isso fez-nos pensar e reflectir num conceito que temos aplicado que é o “pouco feito com muito". Parece uma antítese, mas é feito com muito amor, carinho, tempo, dedicação, respeito, conhecimento.
J - É a garantia de que as coisas que fazemos são feitas com muito. Acreditamos nesse muito: queremos viver muito, queremos muita alegria, muita energia, não partilhamos a visão do mundo pequenina, de só se ter uma coisa.
G - O minimalismo não tem de ser triste e bege. Pode ser feito de muito.
J - Os estrangeiros que passam aqui, dizem sentir falta dessas coisas nos seus países. Nós ainda temos muitas tradições. Se sairmos daqui e formos a São Pedro do Corval, que não fica sequer a duas horas, lá existe esse muito: as pessoas que sabem fazer. Portugal é feito de muito e se soubermos usar o lado positivo deste conteúdo que faz parte da nossa cultura, temos bastante a ganhar e a ensinar aos outros.